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Aos Interessados Em Tornar-se Um Psicanalista

  • Foto do escritor: Eduardo Oliveira
    Eduardo Oliveira
  • 3 de jan.
  • 10 min de leitura

Atualizado: 6 de jan.

A decisão de se tornar psicanalista é, sem dúvida, uma escolha calorosa e profunda, que envolve mais do que o simples desejo de compreender a mente humana. Esse percurso exige uma formação rigorosa, comprometimento com a própria análise, supervisão e, principalmente, um mergulho contínuo em leituras e reflexões.


Não se trata apenas de adquirir conhecimento técnico, mas de se transformar ao longo do processo, tanto em termos pessoais quanto profissionais. Para aqueles que estão iniciando essa jornada, este texto oferece uma orientação sobre as principais etapas do caminho, os desafios contemporâneos da clínica, leituras fundamentais e as riscos e armadilhas que podem surgir ao longo do percurso. Como complemento, utilizaremos os conceitos apresentados no livro Estruturas e Clínica Psicanalíticas , de Joel Dor , e as reflexões do livro Uma Carta a um Jovem Terapeuta , de Contardo Calligaris , para enriquecer a discussão sobre a clínica e suas implicações no tornar-se um analista.


Uns dos desafio que muitos jovens psicanalistas enfrentam é o de equilibrar o volume de leitura com a absorção crítica e a aplicação prática desses conhecimentos. Não se trata apenas de ler, mas de digerir essas teorias, permitindo que elas permeiem o próprio olhar e entendimento da mente humana. Nesse ponto, a sugestão é que você adote uma atitude de curiosidade ao invés de um ritmo de estudo puramente acumulativo. Cada autor traz uma forma de compreender o inconsciente, e é valioso se permitir refletir, questionar e, até mesmo, discordar.


1. Uma Fase de Estudos e Dedicação


O primeiro passo no caminho da psicanálise é, sem dúvida, uma dedicação ao estudo . Diferentemente de outras áreas da psicologia, a psicanálise requer uma reflexão teórica profunda, pois sua prática está intimamente ligada ao entendimento dos grandes mestres que desenvolveram o campo. Para os jovens psicanalistas, o estudo começa com Sigmund Freud , o fundador da psicanálise. Suas obras, como "A Interpretação dos Sonhos" (1900) e "Além do Princípio do Prazer" (1920), são leituras indispensáveis ​​para entender os conceitos centrais da teoria psicanalítica, como o inconsciente, o complexo de Édipo, a pulsão de morte , entre outros.


Além de Freud, a leitura de Jacques Lacan é fundamental, especialmente para aqueles que desejam compreender a psicanálise moderna e sobre um ponto de vista estrutural. Lacan trouxe uma nova perspectiva sobre os conceitos freudianos, introduzindo ideias como o registro do Simbólico, o Imaginário e o Real, além da noção do desejo e a falta e outros temas igualmente importantes.

Para Lacan, o analista ocupa um lugar fundamental na estruturação do desejo do paciente, o que exige uma compreensão aprofundada da teoria. "Os Escritos" de Lacan, em particular, oferecem uma visão densa e complexa, e a sugestão é que os jovens psicanalistas permitam o tempo necessário para assimilar esses textos, que são essenciais para a prática clínica contemporânea.


Outro autor essencial para a compreensão das estruturas clínicas é Joel Dor , que em sua obra "Estruturas e Clínica Psicanalíticas" faz uma síntese das estruturas fundamentais — neurose, psicose e perversão — a partir da perspectiva lacaniana. Dor elabora, de forma clara e didática, a relação entre a clínica e as estruturas, demonstrando como o sujeito se posiciona frente ao desejo e à lei, e como essas dinâmicas inconscientes se refletem na vida psíquica e no sintoma.


Em "Estruturas e Clínica Psicanalíticas" , Dor discute a importância da estruturação psíquica e como a identificação da estrutura (neurose, psicose ou perversão) é crucial para a condução da clínica. A diferença entre essas estruturas, para Dor, não está apenas na manifestação dos sintomas, mas na maneira como o sujeito se articula com o desejo e com o Outro. Esse entendimento é fundamental para o jovem psicanalista, que deve aprender a escutar e identificar, em sua prática, os diferentes modos de subjetivação e suas implicações clínicas.


Contardo Calligaris, em "Uma Carta a um Jovem Terapeuta" , oferece uma perspectiva complementar, indicando que o estudo das teorias clássicas é indispensável, mas deve ser acompanhado por uma postura de abertura à experiência viva da clínica. Calligaris enfatiza que, além de se apropriar do arcabuço teórico, o jovem terapeuta precisa considerar a importância de suas próprias vivências e inquietações. Ele defende que a prática clínica é um encontro humano , e o terapeuta deve ser capaz de se implicar de forma genuína, sem se esconder por trás de conceitos teóricos ou respostas pré-fabricadas.


Assim, uma dica importante para quem está começando é combinar as leituras de autores clássicos, como Freud e Lacan, com obras como as de Joel Dor, que facilitam a compreensão das estruturas e trazem contribuições práticas para o manejo clínico, e as reflexões de Calligaris, que lembra o terapeuta da importância de ser autêntico no encontro com o paciente. "Estruturas e Clínica Psicanalíticas" é uma excelente introdução para quem deseja compreender como aplicar a teoria lacaniana no dia a dia da clínica, enquanto "Uma Carta a um Jovem Terapeuta" proporciona uma visão humanista e reflexiva sobre o papel do terapeuta.


2. A Análise Pessoal: Um Encontro Consigo Mesmo


Nenhuma formação psicanalítica é completa sem o compromisso com a análise pessoal . Desde Freud, a psicanálise confirma que o futuro analista deve passar por sua própria análise antes de poder escutar, poder entender o outro. Isso ocorre porque o analista não é apenas um observador neutro, mas alguém cuja própria subjetividade participa ativamente do processo clínico. Uma análise pessoal permite que o futuro analista explore seus próprios conflitos inconscientes, compreenda suas resistências e tome consciência dos desejos que podem influenciar sua escuta na clínica.


Joel Dor , em sua obra, enfatiza que a posição do analista é aquela de causa o desejo . Ele não fornece respostas ou soluções diretas ao paciente, mas se coloca como um espelho que permite que o sujeito se depare com seu próprio desejo. Para ocupar essa posição de neutralidade desejada, o analista precisa estar ciente de seus próprios desejos e conflitos, e é aqui que a análise pessoal desempenha um papel essencial. A análise pessoal é onde o jovem analista aprende a se confrontar com suas próprias fantasias e pontos cegos , permitindo-lhe desenvolver uma escuta mais afinada e ética.


Contardo Calligaris, por sua vez, acrescenta outra camada a essa reflexão ao destacar, em "Uma Carta a um Jovem Terapeuta" , a importância de o terapeuta viver intensamente sua própria vida para que possa ajudar o outro a viver a dele. Para Calligaris, o terapeuta não deve se isolar em um papel de autoridade clínica, mas sim, compreender suas próprias limitações, dúvidas e incertezas, de modo que possa estar genuinamente aberto para escutar o outro. Ele defende que o terapeuta, ao estar em contato com suas próprias questões, torne-se mais humano e empático.


Esse processo é frequentemente longo e, às vezes, doloroso, mas é também um dos mais transformadores. Não subestime a profundidade da sua própria análise; ela será uma base sobre como você construirá sua prática. No entanto, cuidado com os riscos de resistência . Em muitos momentos, você poderá sentir uma tentativa de interrupção ou minimizar a importância da análise pessoal, especialmente quando os conteúdos são desconfortáveis. Mas é justamente nesses momentos que a análise ganha mais força.


Aqui, a dica é: encare uma análise pessoal como um investimento em si mesmo e na sua formação . Ao atender seus próprios fantasmas e desejos, você estará se preparando para lidar com a complexidade da psique de seus futuros pacientes ou analisando.


3. A Supervisão: A Escuta da Escuta


A supervisão clínica é outro componente essencial da formação psicanalítica. Durante a supervisão, o jovem analista compartilha suas experiências clínicas com um analista mais experiente, que oferece orientação e uma escuta diferenciada. É na supervisão que o psicanalista em formação aprende a escutar a escuta , ou seja, uma reflexão sobre suas próprias orientações, interpretações e reações na relação analítica.

Joel Dor também discute o papel da supervisão na formação do psicanalista, ressaltando que a clínica psicanalítica é um processo contínuo de aprendizagem. Para ele, a supervisão não deve ser vista apenas como um espaço para correção de falhas, mas como uma oportunidade para desenvolver a sensibilidade clínica e a capacidade de escuta do futuro analista. A supervisão permite ao analista identificar suas próprias resistências e contratransferências , ampliando sua compreensão do caso.


Calligaris, também reflete sobre a supervisão, mas sob uma perspectiva mais pessoal. Ele sugere que o terapeuta em formação deve estar disposto a se expor na supervisão, trazendo suas dúvidas e incertezas de forma autêntica, sem medo de ser julgado. Para Calligaris, a supervisão não é apenas um momento técnico, mas também um espaço de crescimento pessoal, onde o jovem terapeuta pode amadurecer sua postura clínica e ética.


4. Desafios Contemporâneos da Clínica Psicanalítica


Nos dias de hoje, a clínica psicanalítica enfrenta novos desafios . Vivemos em uma era marcada pela hiperconexão digital, pela rapidez do consumo e pela pressão constante por desempenho e produtividade. Esses fatores criam um impacto direto na subjetividade dos sujeitos e, consequentemente, na forma como eles expressam seu sofrimento. Os novos sintomas da contemporaneidade, como o burnout , a ansiedade generalizada e a depressão , muitas vezes surgem como respostas à vida em um mundo acelerado e fragmentado.


Freud , em sua obra O Mal-Estar na Civilização , já discutiu como a cultura impõe critérios sobre o indivíduo que entra em conflito com seus desejos inconscientes. Hoje, observamos que esses conflitos continuam presentes, mas se expressam de maneiras diferentes. Joel Dor, reforça que, na clínica contemporânea, o analista deve estar atento à forma como o sujeito lida com o gozo e sua relação com o Outro . Muitas vezes, os novos sintomas revelam uma dificuldade do sujeito se inscrever no campo simbólico , resultando em formas mais difusas de sofrimento psíquico, menos organizadas que as neuroses clássicas descritas por Freud.


Nesse contexto, Contardo Calligaris , sugere que o terapeuta contemporâneo precisa estar preparado para lidar com uma subjetividade que se caracteriza pela fluidez e pela fragmentação. Ele observa que o desafio para os jovens terapeutas não cai na tentativa de fornecer respostas rápidas e simplistas aos pacientes. Ao contrário, o terapeuta deve estar disposto a tolerar a incerteza e a complexidade, reconhecendo que, muitas vezes, o sofrimento contemporâneo não se enquadra nos moldes tradicionais da psicanálise clássica.


Calligaris também argumenta que a prática clínica hoje deve levar em consideração o impacto da tecnologia e das redes sociais na vida psíquica dos pacientes. A velocidade e superficialidade das interações virtuais podem aumentar a sensação de isolamento, ao mesmo tempo que geram uma falsa impressão de conexão. Para o jovem terapeuta, entender como a tecnologia influencia a forma como as pessoas lidam com seus desejos e relacionamentos é essencial para uma escuta eficaz.


5. Novos Sintomas e Subjetividades


Os novos sintomas da contemporaneidade apresentam características próprias dos quadros neuróticos clássicos. Há uma prevalência de depressão , ansiedade e transtornos de comportamento , além de um aumento nas queixas relacionadas ao vazio existencial . Muitos pacientes relatam uma sensação de falta de propósito, que pode se manifestar em formas de compulsão, como o consumo excessivo de bens, a busca por status e a dependência da validação social fornecida pelas redes digitais e do outro, diretamente.


Joel Dor enfatiza que esses novos sintomas muitas vezes expressam um mal-estar que não é facilmente nomeado. O sujeito contemporâneo vive em uma tensão entre o desejo e o excesso, e o analista deve estar atento a essas novas formas de sofrimento. Contardo Calligaris , em consonância com essa ideia, sugere que o terapeuta deve desenvolver uma escuta que vá além da simples categorização dos sintomas. Ele defende que a clínica contemporânea requer uma abordagem que leve em conta a singularidade de cada paciente, observando que, embora os sintomas possam parecer semelhantes, eles expressam algo muito particular sobre o modo como o sujeito lida com seu desejo e seu mal-estar.


Nesse sentido, o trabalho clínico não deve ser pautado pela busca de uma "cura" rápida ou pela simples eliminação dos sintomas. Tanto Joel Dor quanto Calligaris concordam que o papel do terapeuta é criar um espaço de escuta onde o paciente possa se confrontar com suas questões próprias, permitindo que o sofrimento encontre um lugar simbólico onde possa ser trabalhado e ressignificado.


6. Sugestões para os Jovens Psicanalistas


1.      Leia os clássicos, mas não se limite a eles : A psicanálise tem suas raízes em Freud e Lacan, mas o campo está em constante evolução. Busque novas leituras e esteja aberto a diferentes perspectivas. Obras como as aqui citadas e outras como a de Melanie Klein, Sándor Ferenczi, Winnicott e outros.


2.      Priorize sua análise pessoal : Não negligencie essa etapa. A análise pessoal é fundamental para que você se torne um analista ético e eficaz. Invista tempo e energia nesse processo. A análise pessoal é uma oportunidade para o terapeuta viver suas próprias questões, de modo que possa ser mais empático com o sofrimento do outro.


3.      Valorize a supervisão : A supervisão não é apenas um requisito, mas uma ferramenta avançada para refinar sua supervisão e crescer como analista. A supervisão é um espaço para aprender a lidar com suas resistências e contratransferências, permitindo que você se torne um analista mais consciente de si mesmo e de seus pacientes.


4.      Esteja atento aos novos sintomas : A clínica contemporânea apresenta novos desafios que bloqueiam flexibilidade teórica e técnica . Mantenha-se atualizado sobre as novas formas de sofrimento que surgem na sociedade atual, parafraseando Lacan, o analista deve está conectado ao seu tempo. A escuta precisa se adaptar às novas subjetividades, sem perder de vista os fundamentos da psicanálise.


5.      Mantenha-se conectado à comunidade psicanalítica : Participe de seminários, congressos e grupos de estudo. A troca de ideias com outros psicanalistas é enriquecedora e necessária para o crescimento profissional. O jovem terapeuta esteja sempre disposto a aprender com os outros , verificando que o saber psicanalítico nunca é algo estático, mas em constante transformação.


6.      Mantenha a ética da escuta : Em tempos de pressa e resultados rápidos, lembre-se de que a psicanálise é uma prática que valoriza o tempo, o processo e a subjetividade de cada sujeito. É importante de uma escuta que respeita o tempo do paciente, sem tentar forçar respostas imediatas.


7. Riscos e Armadilhas no Percurso


O caminho para se tornar psicanalista está cheio de desafios e riscos . Um dos principais é o desejo de acelerar o processo . A psicanálise é um campo que exige paciência. Não se deixe levar pela pressão de se formar rapidamente ou de buscar resultados instantâneos na clínica. Outro risco é o narcisismo , que pode surgir quando o analista começar a se ver como “salvador” dos pacientes. Lembre-se de que o papel do analista é ouvir e facilitar o processo de transformação do paciente, e não oferecer respostas prontas ou importantes soluções.


Além disso, é importante estar atento ao risco de burnout . A clínica psicanalítica pode ser emocionalmente exigente, e é fundamental que o analista saiba cuidar de si mesmo. É importância de equilibrar a prática clínica com a vida pessoal, evitando que o terapeuta se deixe consumir pelo trabalho. Estabeleça limites claros para sua prática e busque supervisão quando necessário.


Concluindo


A jornada para se tornar psicanalista é, sem dúvida, desafiadora, mas também profundamente gratificante. Ela envolve uma combinação de estudo teórico, análise pessoal, supervisão e prática clínica, tudo isso permeado por uma escuta atenta e ética. Para os jovens que estão iniciando essa jornada, minha mensagem é de persistência e paixão . A psicanálise é uma prática que transforma tanto o analista quanto o paciente, e o caminho, apesar de longo, oferece recompensas que vão além do conhecimento técnico.

Se você sente que a psicanálise é o seu caminho, continue. Mantenha-se aberto, curioso e disposto a enfrentar os desafios com humildade e determinação. A recompensa está na profundidade do encontro com o outro e na capacidade de ajudar seus pacientes a transformar suas vidas, um processo que também transforma você.





 
 
 

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